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segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Mestiçagem em Tenda dos Milagres

O artista da mestiçagem

No romance Amadeano é sempre difícil dizer onde começa a ficção e quando termina a realidade. Seus amigos são personagens nas histórias; seu convívio familiar vira matéria de romance; sua visão da história parece metáfora; sua experiência social entra no enredo e ganha vida na trama de cada obra.

Por outro lado, o romancista tem o dom de criar uma sociabilidade de equilíbrios entre opostos. O mundo de Jorge Amado é feito de trabalhadores, pescadores, prostitutas, bêbados, boêmios, mulatas fogosas, morenos espertos, professores ingênuos, mães de santo, quituteiras; mas também da elite, dos políticos e dos coronéis do cacau, com seu poder e hierarquia absolutamente estabelecidos e jamais questionados. Amado consegue unir todas as classes sociais e todos os tipos de raças e etnias para celebrar a beleza da miscigenação.

Se Jorge Amado nunca deixou de ser um autor empatado com as questões sociais de seu tempo — e jamais desconheceu as profundas diferenças sociais que marcam a população brasileira e em especial a baiana —, também criou em seus livros um espaço quase onírico para localizar na mestiçagem a nossa mais marcante particularidade.

Mas é em Tenda dos Milagres que representa, no campo da ficção, o exemplo mais acabado desse tipo de postura amadiana. O casal central é composto por um baiano e uma escandinava (representação máxima da brancura que se mistura com a “cor do Brasil”). Esse é inclusive o ponto central do romance, que chega até a ser didático na maneira como opõe o herói da obra, Pedro Archanjo — com sua visão positiva da miscigenação — ao professor Nilo Argolo, que acreditaria nas teorias que afirmavam que o cruzamento de raças levaria à degeneração. Como se vê Amado não só “cria” sua mestiçagem e a insere no corpo de seus personagens como mistura ficção e realidade.

Jorge Amado é, assim, o grande “campeão da mestiçagem”, como uma vez definiu o fotógrafo e amigo Pierre Verger. Em suas obras ela é tão evidente que muitas vezes não precisa ser afirmada. Todos sabem que Tereza Batista e Tieta são mulatas “arretadas”, e que Dona Flor é cabo-verde (essa mistura particular de branco com negro e índio). O autor não introduz, porém, tais termos como se fossem definições rígidas. Ao contrário, no universo de Jorge não existem classificações precisas, que descrevam cores como se fossem gradientes regulares.

( LiLia Moritz Schwarcz)

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O artista da mestiçagem. in:O universo de Jorge Amado. s/d

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