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sexta-feira, fevereiro 19, 2010

A Linguagem

"...a linguagem, informal e crua, empregada pelo romancista.Eram palavras conhecidas de to- do mundo, dessas não usadas abertamente, e que apareciam com naturalidade, no entrecho, reproduzido o modo de falar da gente humilde."

Paulo Tavares

Uma das repercussões mais significativas, quando coerente e esperada, do Movimento Modernista na literatura foi a profunda modificação que experimentou a linguagem. A revolução modernista também se fez na linguagem.

O Movimento Modernista, com sua influência decisiva sobre múltiplos aspectos da arte e da vida, os costumes inclusive, libertou nossos escritores, que passaram a usar linguagem mais livre, menos policiada pela gramática, mais simples, mais identificada com o modo de falar do povo. A linguagem natural, informal, espontânea, própria à fluidez da narração. Não é só a linguagem crua, a oração composta de palavras duras, nuas, através das quais pretende o autor conferir legitimidade à narrativa, que teve sua fonte de inspiração no povo, envolve o povo e a legião dos menos favorecidos, vagabundos, desocupados, ladrões, batoteiros, rameiras, beberrões. Mas é, sobretudo, a linguagem natural, desprovida de formalidades gramaticais, livre, sem afetação, despojada do adorno dos adjetivos, a linguagem feita de palavras que brotam espontaneamente do narrador, e ele as dispõe no arranjo artístico da frase do período. Como se as palavras e frases irrompessem de uma nascente e, a partir daí, escoassem com a fluência do curso d'agua, sem obstáculos, no seu leito. Dessas peculiaridades serviu-se Jorge Amado em vários dos seus livros, para consumar a arte de sua narrativa. Consagrado na arte de narrar, inexcedível na espontaneidade e na fluência, talvez seja, entre nós, o mais fluente narrador. Tem-se mesmo a impressão de que ele mais cresce na sua obra quando se deixa levar docilmente. Sem quaisquer resistências interiores, pela tendência inata, pela irresistível vocação romanesca e poética, servida pela experiência de vida haurida no âmago da cultura popular da Bahia. Perpassa, em grandes partes dos seus livros, esse sopro de lirismo que transparece das histórias, por ele contadas, dos homens e mulheres da beira do cais, das ruas e becos da Bahia. É essa aragem lírica que varre as páginas de Mar Morto, "dando ao leitor a impressão de que as próprias páginas do livro se agitam, de leve, ao sopro da mesma viração morna da balança os saveiros, nas águas plácidas daquele Mar morto encravado na Bahia de Todos os Santos".

Mas, em linguagem, aspecto que daria à nossa literatura a nacionalidade brasileira. Jorge pugnava pela linguagem legítima no romance, sem artifícios, natural, com raízes no povo e em sua fala. o próprio Jorge, referindo-se à linguagem de Macunaíma, diz que se trata de uma língua inventada, não da língua do povo . É o convívio do povo baiano, no meio urbano e rural, que proporciona condições de legitimidade ao trabalho do escritor, no linguajar, na fala desse povo que ele maneja com maturidade e a intimidade de quem com ele próprio se confundi. "Acredito”, diz Jorge, "que tenho grande conhecimento da língua falada pelo povo. Eu o conheço bem, e, quando estou escrevendo um romance, ela me vem facilmente. Em Dona Flor, por exemplo, eu trabalhei com a mais viva linguagem popular. É, sem dúvida, de todos os meus livros, aquele que é escrito na linguagem mais baiana, com um vocabulário extremamente baiano, um vocabulário enorme - palavras ignoradas mesmo por pessoas que conhecem muito bem minha obra." É, ainda, seu próprio testemunho: "Em Tocaia Grande eu usei a linguagem popular da região, a linguagem que se falava na região do cacau, uma linguagem muito particular e popular: por exemplo, tocaia é uma palavra que, empregada com está, é típica da região, significa um certo tipo de emboscada, como se praticava lá, no tempo das grandes lutas.Ao mesmo tempo, porém eu recorri, no texto, a termos que não se usam mais, procurei usar palavras pelas quais eu pudesse assinalar a época do romance - isto é, o começo do século, o tempo do romance e o espaço no qual ele se passa."

SANTOS, Itazil Benício dos. Jorge Amado: retrato incompleto. Rio de Janeiro: Record, 1993.

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