Cânon
Ao encontrar expressões como: “cultura letrada”, “saberes”, “poder”, “exclusão”, entende-se que adentrou no contexto do universo canônico. Leyla Perrone, explicita no livro Altas Literaturas, o que de fato vem a ser o termo Cânone:
“A palavras cânone vem do grego Kánon, através do latim Canon, e significava “regra”. Com o passar do tempo, a palavra adquiriu o sentido especifico de conjunto de textos autorizados, exatos, modelares. No que se refere à Bíblia, o cânone, é o conjunto de textos considerados autênticos pelas autoridades religiosas. Na era cristã, a palavra foi usada no direito eclesiástico, significando um conjunto de preceitos de fé e de conduta (...).”(PERRONE – MOISÉS, 1998. p. 61)
Os textos considerados canônicos, pelos indivíduos influentes e detentores do poder, olham esses conjuntos de textos como patrimônio da humanidade, obras detentoras de valores incontestáveis, com qualidades intrínsecas, atemporais e universais que transcendem o momento histórico, e fornece a sociedade modelos a seres seguidos e bem quistos pelo Estado. Em suma o que se quer deixar claro é que o cânone virou instrumento para atuação de poder, exclusão das classes que não tem contato com as grandes literaturas, dominação através de uma linguagem rebuscada, hermenêutica e digna de grandes referencias.
Uma linha do tempo
A relação dos escritores com a palavra cânone ocorre pela primeira vez no século IV e nos séculos XVI e XVII há a formação do cânone literário moderno, dando início no Renascimento italiano, que logo após irradia para a teoria francesa, sendo que o italiano era mais aberto e o francês totalmente centralizado a academia, característica do classicismo francês, que sofrerá abalo no século XVIII por conta da abertura aos autores ingleses e alemães, apesar de várias contestações, permanece forte ainda hoje, o clássico no ensino literário da França.
A partir do século XVIII, que o juízo estético do cânone, deixou de ser considerado universal e os clássicos começaram a perder os moldes, o exemplo de modelo absoluto e eterno. Será neste mesmo século, que se dá inicio a conformação de um sistema literário no Brasil, quando letrado, após diplomas e reconhecimento intelectual, vão constituindo os círculos das academias.
Vindo de uma influência grande dos grandes autores europeus, que o cânone brasileiro começa a dar seus primeiros passos, procurando no Romantismo uma forma de incutir o nacionalismo e a ideologia de uma elite letrada.
Romantismo
Reis destaca que o ideário romântico no Brasil é um projeto de afirmação da nacionalidade, no que encontrava total respaldo do Segundo Reinado, igualmente empenhado em enfileirar o país ao lado das nações civilizadas.
Na metade do século XVIII, o surgimento da burguesia moderna, dentre outros acontecimentos, realizou uma grande transformação no modo de pensar, agir e na cultura de um modo geral no ocidente. Houve também a demonstração da individualidade, relativismo, o emocionalismo e o moralismo, busca por uma originalidade, manifestando um perfil artístico próprio e muito influente, os leitores, todos carregados da literatura européia e os seus cânones, agora estavam em busca de fundar uma literatura nacional, retornando as origens, isto é, aos primeiros escritos sobre as primeiras impressões dos colonizadores do Brasil, estudando os índios, e colocando-os como os heróis na nossa literatura.
Quem irá consolidar o romantismo no Brasil, será Gonçalves Dias, destacando na primeira fase e na poesia (Canção do Exílio), pelas qualidades superiores de inspiração e consciência artística e contribui ao lado de José de Alencar um novo padrão referente a inspiração e exemplo. Como indianista buscou do medieval coimbrão (termo retirado de CANDIDO, Antonio, 1836, p.83) embutir nos índios, um modelo de herói aos padrões da cavalaria.
Além de Gonçalves Dias, destaque no romantismo também para Joaquim Manoel de Macedo, Gonçalves de Magalhães, Junqueira Freire, Casimiro de Abreu, Castro Alves, dentre outros.
José de Alencar em seu livro Ubirajara, romance indianista, destaca o bom selvagem, enaltecendo o índio e as paisagens brasileiras, mais particularmente do Ceará, como as mais belas formas de nacionalidade e poesia brasileira, apresentando pureza, lealdade e coragem, além de Ubirajara, destacam como romances indianistas: Iracema e O Guarani, muitos críticos afirmam que Ubirajara é a versão masculina de Iracema. Depois no romance sertanejo, aponta heróis regionais nas obras O gaucho, O sertanejo, na prosa urbana, encontra-se Senhora, Lucíola, Diva, A pata da Gazela, Sonhos d’Ouro.
Bosi coloca que nas obras de Alencar, “os enredos valeram como documento apenas indireto de um estado de coisas, no caso, a tomar corpo de uma ética burguesa e ‘realista’ das conveniências durante o Segundo Reinado.” (p.154)
Manuel Antonio de Almeida, com seu único romance: Memória de um sargento de milícias, não traz um modelo idealizante, pelo contrario, resenha as andanças e os pecadilhos no momento histórico do Rio sob a regência de D. João VI. O anti-herói Leonardo, “filho de uma pisadela e de um beliscão” é apenas uma das características da obra de Manuel Antonio, seguindo pelo viés de uma critica sociológica mostra como se dá a vida da família brasileira nos meios urbanos, e quais suas venturas e desventuras em um ambiente nem tão colonial, mas longe do aspecto burguês.
Considerada a terceira fase do romantismo, em um aspecto gótico, saudosista, melancólico, e mortal, até pelo fato de ser considerada a época do “mal do século”. O autor cânone de destaque é Álvares de Azevedo, em sua obra Lira dos Vinte anos, Bosi frisa que é o escritor que mais merece destaque, por ser o mais bem dotado de sua geração. Em suas poesias, além de algumas denuncias, pode-se perceber um léxico bem trabalhado e fontes como Lord Byron. A linguagem acrescida de termos científicos nos remete a sonhos, dores, um verdadeiro melancolismo.
Realismo
Ao contrário do idealismo romântico, o realismo busca a objetividade, razão e preocupa-se com o homem na sociedade, cheios de problemas rotineiros, chegando a uma determinada situação que homem e mundo se encontram na mesma condição e sujeitos a mesma finalidade. Outro ponto forte de destaque, são os vícios da sociedade, através de uma descrição minuciosa a fim de explicitar as mazelas da sociedade burguesa. Segundo Lygia Cademartori, “o que caracteriza o período é a vitória da concepção de mundo própria das ciências naturais e do pensamento racionalista e tecnológico sobre o idealismo e a tradição romântica.” (p. 46)
Autores canônicos que se destacam nesse período são: Raul Pompéia, Aluísio Azevedo, Monteiro Lobato, Sílvio Romero, José Veríssimo, dentre outros.
Considerado o autor de maior renome na literatura brasileira, Machado de Assis, segundo Bosi “é o ponto mais alto e equilibrado da prosa realista (...)”(p.193). Em seu romance Esaú e Jacó, uma historia de gêmeos univitelinos, envolta por um instinto competitivo tentando desvencilhar a semelhança que carregam entre si. Um jogo que acentua pela competição, dualidade do ser, dos impulsos, entranhados fisicamente em apenas um estilo físico, mas na realidade em dois seres iguais e diferentes ao mesmo tempo.
Coelho Neto, também entra na lista dos cânones que mais representa o período realista, em sua obra O Ateneu, uma história que se passa em um colégio interno, denunciando as mazelas provenientes daquele ambiente. A revolta sobressai perante um mau ensino, onde amarga uma pedagogia grotesca do professor Venâncio. Romance na primeira pessoa traduz a retomada da realidade, do objetivo do eu no que se deparava com o mundo concreto.
Lima Barreto aparece em destaque, apesar de várias manifestações críticas, na obra Triste fim de Policarpo Quaresma, obra que denuncia a falseta da Republica, por um viés cômico, colocando o personagem Policarpo como um grande questionador sobre nossas origens.
Modernismo/ Contemporaneidade
Ligia diz:
O modernismo não é um estilo, no rigor do termo, mas um complexo de estilos de época que apresentam alguns pontos coincidentes. Esses pontos em comum não independente de fato de que, no nosso século, o conhecimento sofreu uma grande ruptura a que ocorreu a teoria da relatividade de Einstein; a teoria psicanalítica de Freud; a filosofia de Nietzsche e a teoria econômica de Marx. Comum a todas é o questionamento do lugar do homem como sujeito do questionamento. (p.62)
O modernismo veio para quebrar novamente rupturas na literatura brasileira, revolucionou o fazer arte, mostrou mais liberdade na composição das poesias e prosas.
Jorge Amado, autor baiano, modernista em sua obra Jubiabá, nos relata em linguagem mais acessível, voltada para leitores mais populares, fato pelo qual não seja reconhecido como cânone, através de um cunho político e ideológico, denuncia as mazelas de um Brasil desigual, onde pretos e brancos estão na mesma escala de igualdade quando se encontram na proporção de desigualdade social.
Clarice Lispector, considerada cânone contemporâneo, da terceira fase do modernismo, através de suas Epifanias, contida no livro Felicidade Clandestina, um livro de contos, faz com que o leitor venha a refletir sobre o seu papel na sociedade, sobre sua posição no mundo.
Identificação do cânone por estudantes
Graça Paulino identifica em seu texto: Formação de leitores: a questão dos cânones literários, aspectos de como ajudar o alunos a perceberem as características como: os padrões estéticos, o estilo das narrativas imbricadas por componentes históricos, de construção e significação, sendo que algumas obras tendem mais para o eixo linguístico – formal, apresentando uma linearidade da narrativa, com principio, meio e fim. É importante destacar que as obras canônicas trabalhadas nas escolas, muitas são identificadas somente pelos professores, pois alguns, não todos, já tiveram contato na sua formação. O estranhamento de alguns alunos ao se depararem com obras canônicas se dá através do distanciamento ocorrido entre cânone literário e cânone escolar, de certa maneira pela exclusão que o cânone causou em certos momentos históricos. Através deste impasse, é preciso melhorar as metodologias dos professores de língua portuguesa, e porque não dizer das outras matérias. Trabalharem mais afinco com os grandes “Clássicos” e assim aperfeiçoar a visão do leitor em formação.
A influência da Mídia no Cânone.
Diante de uma cultura de massa fortificada, que influencia diretamente o consumidor, o cânone hoje é deixado de lado, dando espaço para os famosos Best Sellers, cheios de “realismo fantástico”. Através do marketing das editoras, o que mais se torna valioso são livros que vendem enredos pobres, cotidianos demais ou então cheios de receitas prontas, como é o caso dos livros Auto-ajuda.
Aos poucos, a mídia, considerada o “quarto poder”, foi alienando a formação dos leitores, foi substituindo autores e obras de qualidades, por obras totalmente mercadológicas, instigando o leitor supérfluo, o tal sujeito “y” da pós – modernidade, a adquirir e não a questionar uma problemática vigente da sua realidade.
Bibliografia
ALENCAR, José de. Ubirajara. São Paulo: Ática, 1998.
ALMEIDA, Manuel Antonio de. Memórias de um sargento de milicias. Sao Paulo: Escala, s/d. (Coleção Grandes Mestres da Literatura Brasileira)
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AZEVEDO, Alvares de. Lira dos vinte anos. Sao Paulo: PAE – Programa de Assistencia ao Estudante, 2007. (Coleção Mestres da Literatura 2)
ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. Sao Paulo: Brasileira, 1961.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Volume II. 6.ed. Editora Itatiaia:Belo Horizonte, 1981.
CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. 5. Ed. Editora ática: São Paulo, 1991.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 3. Ed. Editora Cultrix: São Paulo.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina: contos. 8.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994.
LAJOLO, Marisa. Literatura: Leitores & Leitura. Editora moderna: São Paulo, 2009.
PAULINO, Graça. Formação de leitores: a questão dos cânones literários. In: Revista Portuguesa de Educação. 17.v.001.n. Braga: Universidade do Minho, 2004. p. 47-62.
POMPEIA, Raul. O ateneu. 8.ed. São Paulo: Ática, 1984.
PERRONE –MOISÉS, Leyla. O cânone dos escritores-críticos in Altas Literaturas. Companhia das Letras: São Paulo, 2003.